Opinião
De forma ampla, é possível observar uma maior atenção das companhias e da sociedade civil em expandir o debate acerca da diversidade também para o “topo” das cadeiras corporativas. Em amparo a isso, há alguns anos, estudos e índices sobre o tema demonstram que uma maior diversidade no topo da gestão é uma tendência das grandes corporações.
A título de exemplo, cita-se que, em novembro de 2022, os índices norte-americanos vinculados à ESG Standard and Poor’s (S&P) [1] divulgaram importantes conclusões a respeito da diversidade de gênero em conselhos administrativos.
No Brasil especificamente, cita-se o estudo elaborado pela KPMG [2] que apontou tendências e prioridades para os conselhos de administração. Nesse estudo, um tópico chama a atenção por recomendar que se “pense de forma estratégica sobre as questões de talento, especialização e diversidade no CA”, indicando que a construção e manutenção de um conselho de alta performance e que agregue valor à organização exige uma abordagem proativa da composição e da sua diversidade — da habilidade, experiência, pontos de vista, gênero, raça/etnia, etc.
Em sintonia com a discussão, a Comissão de Valores Mobiliários [3] (CVM) tem aprimorado a normatização e orientação sobre o assunto. A medida inicial foi a criação do Anexo ASG (sigla em português de ESG), um importante movimento regulatório que reflete este cenário. O anexo indica parâmetros para que se aumente a diversidade nos cargos de alta liderança das companhias abertas, alinhados com as práticas internacionais sobre o tema [4].
Ainda recentemente, o órgão regulatório ajustou a regra sobre os formulários de referência para que as companhias abertas incluam informações sobre a participação de pessoas com deficiência (PcD) dentro do board, evoluindo a concepção de diversidade e trazendo para o âmbito corporativo a discussão sobre temas como: acessibilidade, inclusão e capacitismo.
Destaca-se a publicação da Resolução nº 80, publicada em 29 de março de 2022, e a Resolução nº 198, publicada em 31 de janeiro de 2024, nas quais foi possível identificar atitudes concretas da autarquia em contribuir na consecução de companhias com mais diversidade, inclusive amparando outros elementos para além da diversidade de gênero, cor e raça. Mais especificamente no Anexo C da referida resolução (conteúdo do Formulário de Referência [5]), há um enfrentamento no item 7 sobre assembleia geral e administração.
Há nesse item a exigibilidade de descrever as principais características dos órgãos de administração e do conselho fiscal do emissor, como uma série de identificações. Dentre elas, na alínea ‘e’, em havendo objetivos específicos que o emissor possua com relação à diversidade de gênero, cor ou raça ou outros atributos entre os membros de seus órgãos de administração e de seu conselho fiscal. Esse elemento demonstra o compromisso da autarquia em viabilizar a consecução de forma mais objetiva e transparente.
Informação sobre diversidade e pessoas com deficiência
Seguindo a tendência de responsabilidade social empresarial, representada pelo maior grau de diversidade, a publicação da Resolução nº 198 inclui o dever de informar sobre “número total de pessoas com deficiência, caracterizada nos termos da legislação aplicável e número total de membros agrupados por outros atributos de diversidade que o emissor entenda relevantes”.
Ao publicar a Resolução nº 198, o presidente da CVM, João Pedro Nascimento[6], falou em atuação do órgão atenta aos movimentos sociais e globais, ampliando a visibilidade e as oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas com deficiência.
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De fato, é uma tendência que decorre de preocupações globais e de imposições legais. Cabe referir que as práticas ESG têm ligação com o pacto global da ONU, que visa a mobilizar a comunidade empresarial para a adoção de iniciativas rumo ao progresso sustentável.
Ao aderir ao pacto global, a sociedade empresária assume a responsabilidade de contribuir com os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Ao analisar o conteúdo do Anexo ASG proposto pela CVM, observa-se o alinhamento ao ODS 10, que trata redução das desigualdades. Vale observar que o subitem 10.2 busca, até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, entre outros.
No que diz respeito a imposições legais a Lei nº 13.146/2015, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência, determina que a pessoa com deficiência tem o direito ao trabalho como pilar fundamental garantido a igualdade de oportunidades e condições justas e acessíveis à pessoa com deficiência[7].
Ainda é necessária adaptação
Apesar disso, não é incomum encontrar escritórios de grandes corporações que não possuam arquitetura, minimamente, planejada para ser mais acessível. E para não dizer que o problema se restringe ao setor privado, lembra-se do triste episódio ocorrido na própria ONU, em 2021, no qual a ministra de Israel não conseguiu, por falta de acessibilidade do local, entrar na conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26 [8].
Além da questão de acesso físico, tem-se, frequentemente, a visão capacitista [9] da pessoa com deficiência, que muitas vezes é contratada apenas para cumprir metas impostas por lei, em completo desrespeito ao princípio basilar de Constituição de respeito à dignidade da pessoa humana.
Percebe-se que o tema diversidade é novo e enfrenta resistências, mas quando o assunto é diversidade e inclusão de pessoas com deficiência, premissas básicas ainda precisam ser levantadas e discutidas. Não por outra razão, a modernização regulatória realizada pela CVM é digna de aplausos, pois indica que o tema precisa estar em pauta nas grandes empresas que estão no mercado de capitais brasileiro.
E sorte daquelas que analisarem o tema a fundo, pois não se trata apenas de uma questão político/social, mas sim de uma questão basilar de que, sem diversidade, não há inovação. E a inovação é a principal ferramenta capaz de tornar perene e sustentável qualquer negócio.
[1] Cf. TREVOR, Kieran. Measuring Board Gender Diversity across S&P ESG Indices. artigo foi publicado originalmente no blog Indexology® em 16 de novembro de 2022. Consultado em 30/06/2023
[2] https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2023/1/agenda-ca-2023.pdf Acesso em 22 de fevereiro de 2024.
[3] A Comissão de Valores Mobiliários é uma autarquia federal com funções correlacionadas, principalmente, ao mercado de títulos das sociedades por ações. Nos termos da Lei nº 6.385/1976, em seu artigo 5º, “É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária.”
[4] Seguindo a tendência da SEC (Securities and Exchange Comission), órgão norte-americano responsável pela regulação do mercado de capitais, o qual publicou em 06 de agosto de 2021 o documento “Nasdaq’s Board Diversity Rule: What Companies Should Know”. Na norma, as empresas deverão ter ao menos dois diretores diversos – sendo uma mulher e outro pertencente a um outro grupo sub-representado. Empresas menores e estrangeiras podem ter duas diretoras ou uma diretora e um diretor sub-representado. Já empresas com até cinco diretores devem ter ao menos um diretor diverso. Os detalhes estão especificados no link: https://listingcenter.nasdaq.com/assets/Board%20Diversity%20Disclosure%20Five%20Things.pdf Acesso em 25 de fevereiro de 2024.
[5] O FORMULÁRIO DE REFERÊNCIA (FRE) é um documento eletrônico, de encaminhamento periódico e eventual, previsto no artigo 22, inciso II, da Resolução CVM nº 80/22, cujo encaminhamento à CVM deve se dar por meio do Sistema Empresas.NET. O Formulário de Referência de Companhias Abertas reúne todas as informações referentes ao emissor, como atividades, fatores de risco, administração, estrutura de capital, dados financeiros, comentários dos administradores sobre esses dados, valores mobiliários emitidos e operações com partes relacionadas. Informação extraída de https://dados.cvm.gov.br/dataset/cia_aberta-doc-fre (Acesso em 21 de fevereiro de 2024).
[6] https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2024/cvm-aperfeicoa-norma-e-destaca-importancia-da-divulgacao-de-informacoes-sobre-pessoas-com-deficiencia-em-companhias-abertas Acesso em 25 de fevereiro de 2024
[7] Diz o artigo 34 da referida Lei: “Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
§ 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos.
§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.
§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.
§ 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.
§ 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação.
Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho.
Parágrafo único. Os programas de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho autônomo, incluídos o cooperativismo e o associativismo, devem prever a participação da pessoa com deficiência e a disponibilização de linhas de crédito, quando necessárias.”
[8] Cf. Ministra de Israel que é cadeirante não consegue participar da COP26 porque não havia acesso adequado | Mundo | G1 (globo.com)
[9] Prática que consiste em conferir a pessoas com deficiência tratamento desigual (desfavorável ou exageradamente favorável), baseando-se na crença equivocada de que elas são menos aptas às tarefas da vida comum. Disponível em capacitismo | Academia Brasileira de Letras. Consultado em 29/02/2024.
Créditos ConJur
Conjur Revista Eletrônica