Fórum de Lisboa
As instituições podem exercer seu papel e ocupar lugar de relevo sem sair do alcance constitucional definido em 1988. Um bom caminho para isso é a atuação conjunta entre os vários órgãos.
A opinião é de especialistas que participaram nesta sexta-feira (28/6) da mesa “arranjos institucionais de persecução e controle no estado democrático”, no último dia do Fórum de Lisboa.
A 12ª edição do evento é é organizada pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Lisbon Public Law Research Centre (LPL) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (FGV Justiça).
Participaram da mesa o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o advogado-geral da União, Jorge Messias; a conselheira do CNJ Daiane Nogueira de Lira; o ministro Vinícius Marques de Carvalho, da CGU; e o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo de Souza Mendes.
‘Troca de bastão’
O AGU, Jorge Messias, afirmou que as instituições não devem competir umas com as outras, mas trabalhar em conjunto, sempre se mantendo dentro das atribuições definidas pela Constituição.
“É possível que as pessoas e instituições bem exerçam seu papel e ocupem lugar de relevo sem sair do alcance constitucional que se imaginou em 1988. Esse trabalho não pode ser uma corrida de 100 metros livres, em que as instituições competem para ver quem chega primeiro. Temos que fazer uma corrida de troca de bastão, em que cada um cumpre seu ciclo”, afirmou.
O ministro falou que “a autocontenção não mata ninguém” e que as instituições do sistema de Justiça e controle devem estar sempre alinhadas ao estado democrático de direito. O desarranjo institucional, por outro lado, afirmou, gerou diversos problemas ao país.
“Nunca se imaginou a barafunda institucional que o país se meteria após esse processo que vivemos na última década. Um dos efeitos mais deletérios que nós vimos fruto desse desarranjo, que foi o fenômeno do apagão das canetas, trouxe um grande prejuízo institucional. Houve um processo de criminalização da administração pública federal, e que foi fundamental para interditar um processo de desenvolvimento econômico e social que estava em curso em nosso país.”
Cooperação
O ministro Cristiano Zanin, do STF, também defendeu a cooperação como forma de atuação para evitar desarranjos que podem colocar em risco o próprio estado de direito e a atividade judiciária. Ele lembrou, por exemplo, dos atos do 8 de janeiro de 2023, quando o Supremo foi invadido por bolsonaristas.
“Não tenho dúvida que esse arranjo institucional, essa cooperação entre os órgãos de Estado é da maior importância para garantir o estado democrático de direito, inclusive em sua acepção associada à democracia. E essa cooperação, na minha visão, deve ser cada vez mais intensa, até pelos desafios que enfrentamos em relação à própria democracia não só no Brasil mas em diversos locais do mundo.”
“O tempo presente nos oferece uma série de desafios. A busca incessante por um sistema de Justiça íntegro e plural, fundado no diálogo com a sociedade, é, na minha visão, o único caminho para que as atividades de persecução e controle estejam no mesmo compasso dos anseios da sociedade e dos valores constitucionais da sociedade e do estado democrático de direito”, concluiu.
O PGR, Paulo Gonet, disse que a integração conjunta, com cada instituição dentro de seus limites, evita cacofonia e garante o devido combate à criminalidade.
“Para evitar cacofonia no combate à criminalidade, para que nós possamos ter um combate eficiente e respeitoso dos direitos fundamentais, é preciso uma coordenação de todos os órgãos do estado, sob a égide dos princípios básicos dos direitos fundamentais.”
Paulo Gonet defendeu a utilização de tecnologias para identificar e monitorar criminosos, mas disse que os métodos de investigação devem respeitar a dignidade do investigado.
“Temos uma necessidade de coordenar meios de combate à criminalidade com o respeito à dignidade daquela pessoa que é investigada e que pode ser o autor de algum delito. Temos que coordenar esforços do MP com a PF, com a Controladoria-Geral da União, com a AGU e com o Ministério da Justiça. Sem essa coordenação nós não vamos vencer a guerra contra a criminalidade organizada”, disse.
Leniências
Vinícius Marques de Carvalho, ministro da CGU, falou sobre a necessidade de desenvolver mecanismos de leniência que gerem incentivos para a detecção de condutas irregulares.
Segundo ele, embora a política de leniência tenha nascido para que se tomasse conhecimento de ilícitos, na prática a ferramenta serve para negociar acordos depois que irregularidades já ocorreram.
“Talvez a gente precise reconhecer que a estrutura de incentivos da política de leniências anticorrupção no Brasil não é adequada. De todas as leniências que a CGU já fez, apenas um deles foi um caso em que a leniência foi apresentada à CGU e fez a CGU tomar conhecimento de um caso que não conhecia”, exemplificou.
De acordo com ele, é preciso pensar o combate à corrupção de forma mais ampla, sem que o debate se resuma a aspectos coercitivos.
“O debate é muito mais amplo e envolve um projeto de expansão democrática, com base no aumento de capacidade de o Estado abrir suas informações à população; uma agenda voltada para a melhoria da qualidade dos gastos públicos e de implementação de mecanismos tecnológicos para otimizar e dar eficiência à prestação de serviços públicos; e uma agenda que organize a relação entre o Estado e a iniciativa privada do ponto de vista das questões envolvendo conflitos de interesse e outros tantos temas.”
Reforma portuguesa
O professor Paulo de Souza Mendes, por sua vez, tratou das diferenças do arranjo institucional português em relação ao brasileiro e de possíveis mudanças no sistema de Justiça penal de Portugal. No país europeu, disse, o Ministério Público é autônomo, mas não independente.
“Sabemos em que há países em que o MP pertence à magistratura, como França, Grécia, Itália e Portugal. Sabemos que em outros não é uma magistratura. Na Alemanhã não é, no Brasil não é. A sua autonomia seja muito variável de país para país. No Brasil o parquet é datado de enorme independência.”
“A magistratura do MP não é independente, é autônoma. Significa que tem órgãos do governo próprio, uma procuradora-geral da República nomeada pelo presidente da República, e não há nenhuma vinculação com uma tutela do poder Executivo. O Executivo não pode emitir diretivas ao MP. Outro aspecto característico dessa autonomia é a hierarquia interna, que não existe nos tribunais”, prossegue.
A 12ª edição do Fórum de Lisboa ocorre até esta sexta-feira (28/6) e conta com transmissão ao vivo.
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Créditos ConJur
Conjur Revista Eletrônica