Pretensão, como o próprio nome sugere, se trata de uma tensão prévia, antecipada. Existe medo, inquietação, preocupação, tensão, precisamente porque não se sabe, a priori, se aquilo que se quer se realizará — e não se sabe justamente porque o que se quer não se pode fazer sozinho, mas depende do comportamento de outra(s) pessoa(s). Explique-se com um trivial exemplo.
O Estado constituiu, de forma válida, norma impondo a proibição de matar alguém (artigo 121 do CP) — que, de há muito, entrou em vigor e está produzindo seus regulares efeitos.
Há, por parte do Estado, portanto, pretensão. É dizer: existe uma inquietude, uma preocupação, uma tensão prévia, antecipada, porque, embora seja obrigação de todos não matar alguém, não se sabe, de antemão, se aludida norma será cumprida. É, então, como se vê, um direito subjetivo do Estado, para cuja satisfação depende do comportamento das pessoas (e que delas pode ser exigido).
A partir do momento em que uma pessoa viola essa pretensão do Estado, surgirá, dessa violação, a lide — justamente porque houve resistência à pretensão do Estado [1].
Portanto, levando-se em conta o sentido (não só jurídico, mas também lógico e semântico) de “pretensão”, não entendemos a razão pela qual cunhou-se, na doutrina hodierna e na prática forense, a expressão “pretensão acusatória”.
Temos para nós que o titular da ação penal não exerce e não veicula “pretensão acusatória” quando oferece a denúncia (ou a queixa), porque esse ato jurídico é praticado sem que alguém tenha que fazer algo, além do próprio titular. Ninguém mais vai acusar, senão o acusador — e ele não precisa que alguém pratique algum outro ato para que a sua acusação possa produzir efeitos.
Assimilamos, na esteira do mestre Pontes de Miranda e tantos outros, que a prática do ato acusatório (denúncia e/ou queixa) se trata do exercício de um direito subjetivo público formativo (ou, para alguns, potestativo) — e não de uma pretensão.
Mas há, sim, pretensões exercidas nas ações penais condenatórias (que não é a “acusatória”, pelos motivos acima).
Vejamo-las, sucintamente
Spacca
Quando o titular da ação penal pratica o ato acusatório (denúncia ou queixa), ele, em verdade, está constituindo uma relação jurídica com o Estado. Sim, porque o Estado, por meio do Poder Judiciário, tem a obrigação de prestar a jurisdição. E ele, acusador, tem a “pretensão condenatória”.
Ora, o acusador quer a condenação; quer, em outros termos, que o Estado-Juízo condene o acusado. Por isto “pretensão condenatória”: porque a condenação depende do comportamento do Estado-Juízo (e não do acusador). A “pretensão condenatória” é, pois, a pretensão dita processual — porque se dá na relação jurídica estabelecida com o Estado-Juízo.
Existe, lado outro, porém, a relação jurídica base, dita de direito material, que é a própria causa de pedir da ação penal condenatória (a res in iudicium deducta). Aqui, nessa relação jurídica de direito substancial, o Estado, que constituiu, por exemplo, a norma antes mencionada (a que proíbe matar alguém), tem a “pretensão punitiva”. Entenda-se.
Quando a norma é violada e a lide é constituída, antes sequer de se cogitar de eventual processo jurisdicional, surge para o Estado a pretensão de punir, que é a própria sanção penal, o objeto mediato da ação penal (ou, para alguns, o “bem da vida“ postulado).
É “pretensão”, porque, para que a sanção seja satisfeita, depende do comportamento, não só do Estado-Juízo, como também do próprio réu, que não apenas suporta os efeitos, mas tem um comportamento ainda que realizado à força; e é “punitiva” porque se trata da punição — a sanção penal.
Diante disso, visualizamos harmonia sistêmico-jurídica em se considerar existentes, nas ações penais condenatórias, apenas estas duas pretensões: a “pretensão condenatória” (que é de direito processual — objeto imediato do processo); e a “pretensão punitiva” (que é de direito material — objeto mediato do processo).
Créditos ConJur
Conjur Revista Eletrônica